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domingo, 11 de novembro de 2012
Depoimento do Paulo
Me chamo Paulo. Venho de uma cidade do interior ao redor de várias outras. Tinha e ainda tenho família nessas cidades. Nós eramos pobres. Meu pai trabalhava num abatedouro e minha mãe também. Quando eu tinha cinco anos, meu irmão mais velho estava com dez e minha mãe estava grávida. Meu pai era muito mulherengo e largou da minha mãe. Nessa época meu irmão me estuprou e todos os dias ele abusava de mim. Um dia minha mãe voltou para casa e viu o que meu irmão estava fazendo. Ela me mandou ficar quieto e não disse nada para o meu irmão. Durante seis meses eu fiquei muito bravo e revoltado, então minha mãe disse que não suportava mais e me mandou morar na casa do pai e do irmão dela. Não sei o que era pior. Ser estuprado pelo meu irmão ou apanhar como um bicho do meu avô e do meu tio. Eu apanhava na cabeça e de cinto e de fio. Todos os dias. Depois de seis meses eu fugi para a capital e fui morar nas ruas. Não era tão ruim. Tinha um garoto que gostava e abusava de mim, mas também me dava proteção e comida. Com seis anos conheci o mundo das drogas e também conheci a música. O garoto que me protegia tinha um violão e me ensinou a tocar. Hoje eu ainda sou professor de música e vivo disso. Quando eu estava com dez anos, minha mãe me achou e levou para morar com ela. Meu irmão não estava lé e eu tinha uma irmã. Fui para escola e fui um bom aluno. Mas nunca larguei as drogas. Eu não era traficante, só usava. Aos 16 anos fugi de novo para outra capital. Vivi em várias capitais do país. Me sustentava com as aulas de violão e me prostituindo. Também transava com as mulheres, mas nunca senti tanto prazer como com os homens. Até hoje. Tive 3 filhos e hoje não transo mais com os homens. Só que não sinto prazer com as mulheres e me sinto muito infeliz. Fiz um tratamento para as drogas e em vez de quando fumo somente maconha. Não sou uma pessoa feliz e muitas vezes penso em morrer. Aconteceu muita coisa na minha vida, mas eu queria era nascer de novo e ter uma vida diferente.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Depoimento da Mariana
2012, estou com 21 anos. Sou uma mulher como qualquer
outra, tenho minha família, meus amigos, minha faculdade, meus relacionamentos.
Mas há pouco mais de UMA DÉCADA atrás, passei por situações que não desejo a
criança nenhuma. Parecia estar tudo bem. Eu tinha uma família unida, feliz,
apesar dos pesares que todas as unidades familiares possuem. Mas dentro dela,
havia (ainda há) uma pessoa sem laços sanguíneos que sempre me tratou bem e,
conforme eu crescia, começou a se aproximar bem mais, e eu não via problema
nisso, até gostava, porque ele sempre gostou muito de jogos, de brincadeiras,
com um comportamento característico de uma própria criança.
Todos os domingos nos reuníamos na casa da minha avó,
onde eu morava na época. E ele começou a criar motivos pra me levar até a casa
dele, sempre pra buscar alguma coisa, ou me levar pra brincar com algum jogo no
computador. E as coisas foram ficando estranhas. Ele começou fazendo
comentários como a comparação do formato do meu seio (que estava crescendo) com
o de uma colega que eu tinha, e já tinha o seio um pouco mais formado. A
segunda vez, tive o desprazer de ouvir “contos eróticos” que ele recitava
enquanto lia na internet, sem entender porque diabos eu estava ouvindo aquilo.
Já na terceira e última vez, as coisas pioraram bastante. Ele colocou uma fita
pornô no vídeo cassete, sumiu por um tempo e voltou com as calças abaixadas, o
pênis ereto e se masturbando. Eu me lembro de ter virado o rosto e dito “eu não
quero ver isso”. Fui pra fora da casa. Ele me deu uma arma de chumbo pra atirar
nas garrafas pet. Juro que se eu tivesse aquela arma na mão hoje, atiraria nele
todas as balas de chumbo do mundo. Porque ele não queria que eu esquecesse o
que aconteceu. Ele só queria um jeito de se aproveitar. Disse que ia me ensinar
a atirar corretamente, e começou a passar as mãos em volta dos meus seios, que
mal existiam direito. Eu sabia que aquilo estava errado. Eu queria contar pra
alguém, mas como toda criança de 10 anos acha que vai se dar mal por tudo,
tinha medo de brigarem comigo. Então a única coragem que consegui ter, foi de
escrever uma carta para minha mãe. Escrevi. Entreguei. E ainda pedi “não fique
brava”. Claro que ela ficou brava, e claro que não foi comigo. Foi com o doente
do cunhado dela. Ela me abraçou, chorou. E sei que, como toda mãe, se culpou
pelo que aconteceu com sua filha. Depois disso, a família inteira foi reunida,
ela entregou a carta a ele e pediu explicações. Eu não estava presente, mas
minha mãe disse que ele tremia e dizia “eu nem sei o que dizer sobre isso”.
Claro que não, vai dizer o que? Que eu inventei tudo?
Como o advogado que minha mãe procurou disse: “É a
palavra de uma criança contra a dele e não existem provas. Com a experiência
que eu tenho nesses casos, o tempo vai passar e vocês vão voltar a conviver.” E
não deu outra. A relação mudou, por muito tempo não o vi. Mas depois de um
tempo voltamos a nos ver em datas específicas, como aniversários e feriados
familiares. Há até pouco tempo atrás, eu o cumprimentava e tentava suportar aquela
voz fazendo piadas inúteis durante as refeições, muitas vezes direcionadas a
mim. Será que ele pensa que, em algum segundo da minha existência, eu me
esqueci daqueles momentos? Mas após uma discussão com minha tia (que
aparentemente não havia nenhuma ligação com isso, mas com toda a raiva
reprimida a situação voltou à tona), eu e minha mãe resolvemos cortar relações
com essa parte da família quando minha tia preferiu ficar ao lado de seu
marido, ao dizer que “em relação a isso, eu terei que provar”. A nossa
conclusão foi que ele fez a cabeça dela, e ela nunca acreditou em mim. Na
época, ela pediu a minha mãe: “Não o denuncie. Se você fizer isso, eu nunca
mais falo com você.” Hoje minha mãe se arrepende de tê-la dado ouvidos. E hoje,
como uma adulta com opinião formada, digo que deveríamos ter cortado relações
naquela época e, sim, o denunciado. Também penso que alguém deveria ter me
levado a um psicólogo, o que não aconteceu. Acredito que só quem passou por
esse tipo de coisa consegue explicar como isso afeta a gente pra sempre. Os
meus relacionamentos amorosos nunca foram normais, eu sempre tive muito medo de
ser tocada, mesmo tendo confiança na pessoa. E aqueles momentos nunca se
afastaram da minha mente. Estar perto dele, por mais que eu tentasse disfarçar
pros outros e até para mim, sempre me fez mal.
Escrevi esse relato como uma forma de desabafo, com a
preocupação que eu tenho com as crianças que estão a todo o momento passando
por situações como essa, e com o medo que eu tenho de que ele possa repetir
essa história com outra criança que ele tem por perto hoje: a própria filha.
Esperar por justiça, em casos como esse, é quase que uma esperança perdida,
principalmente quando não se é denunciado. Por isso, deixo aqui meu apelo a
quem tiver a oportunidade: DENUNCIEM. Porque a inocência nos é tirada, a
angústia prevalece pelo resto da vida e não há nada que possa nos fazer sentir
melhor.
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