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Nossas Histórias

ESSE BLOG É PARA CONTARMOS AS NOSSAS HISTÓRIAS, MOSTRAR A NOSSA LUTA E A NOSSA VITÓRIA...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Momentos...

MOMENTO III

Agonia estava no centrão de São Paulo, perdida, desesperada. O papel com endereço na mão. Na verdade, já havia avistado a loja, mas não tinha coragem de entrar. Se sentia só e desamparada...mas sabia que tinha que fazer. Entrou na loja, e sem permeio, pediu a beberagem. Pagou, ouviu a explicação da velha senhora, que devia vender centenas de garrafas por dia, mas, por algum motivo, se simpatizou com a menina pequena, que aos 22 anos, aparentava 16 ou 17. Fez questão, com muita simpatia em explicar tudo. No seu olhar se podia ler: "minha filha, será que é preciso isso"? Agonia agradeceu e saiu da loja. Precisava decidir quando e onde tomar. Sabia que não podia demorar...pois a coisa que mais queria era ser mãe. Sabia que o seu pai, através de um colega, estava procurando uma boa clínica de aborto. E, principalmente, sabia que não podia ter esse filho sozinha. Pegou ônibus até a USP e entrou no prédio das Ciências Sociais. Cumprimentou alguns colegas e recusou de ir almoçar, apesar da fome que sentia. Se trancou no banheiro, sentou no chão e chorou. Após a crise de choro, pegou a beberagem e tomou tudo de uma vez...era amarga e enjoativa, mas não teve problemas em manté-la no estômago. Pegou as coisas e foi dar uma volta pelas alamedas arborizadas, tentando se acalmar. Às duas horas entrou na aula de antropologia, com a professora de quem gostava muito e que também sentia simpatia pela Agonia. Umas três horas começou a sentir fortes cólicas, contrações. De repente se sentiu molhada em baixo...estava desprevenida, pois não imaginava o efeito tão rápido. Cochichou para amiga, que passou um absorvente para ela. Foi ao banheiro; ainda bem que estava de calça jeans escura e uma casaco que tampava a bunda...se não, não saberia o que fazer. Ao voltar para classe, sentiu náuseas e tontura, mas conseguiu caminhar com passo firme até o seu lugar. A professora e a colega perceberam que havia algo errado. A mestra passou um debate em grupo e veio se sentar ao lado da Agonia, que a está hora estava com uma hemorragia tão forte, que a única coisa que desejava era voltar para casa, já que morava em Santos. Estava branca, quase transparente...No desespero, ninguém se lembrou do Hospital Universitário. Enquanto a professora foi providenciar um taxi, Agonia pegou mais dois absorventes com a amiga, que utilizou ao mesmo tempo. Ao entrar no taxi, pediu para ser levada à rodoviária do Jabaquara, onde pegaria um outro taxi que a deixaria em casa. Em mais ou menos dez minutos se sentiu encharcada novamente. O motorista não parava de olhar pelo espelho e depois de algum tempo, implorou para levá-la ao hospital. Dava para perceber a preocupação dele, mas a Agonia preferiu seguir para a rodoviária. Chegando lá, o motorista nem queria cobrar a corrida, mas ela fez questão de pagar. Foi a última coisa que a Agonia lembra. Como pegou o taxi, como desceu a serra e chegou em casa, que desculpa que deu para a empregada e a irmã e, depois, ao pai...ficou perdido no fundo da mente. Demorou dias de cama, perdeu o semestre, mas até hoje a Agonia lembra de que seu filho ou sua filha estaria completando 22 anos nesse ano de 2011. Até hoje vem uma espécie de saudade, de perda que nunca poderá ser revertida. Por causa da ganância e psicopatia de um homem, o pai da Agonia, uma vida foi sacrificada. Uma não, duas, pois até hoje as consequências emocionais prevalecem...

Dessa vez eu queria dizer que Agonia existiu e que o fato não pertencia à realidade...Mas infelizmente não é bem assim. A Agonia está viva e o fato foi real. Infelizmente...

Momentos...

MOMENTO II


Alma* acordou totalmente desanimada, mesmo sendo domingo. Quase não dormiu nada, sonhando acordada praticamente durante toda a noite. Era assim que vivia aos 16 anos, mais alma que vida. Não passava na sua cabeça que já estava com forte depressão e vários outros distúrbios emocionais. Naquela casa, a palavra depressão significava frescura. Como todo domingo, de manhã iam à praia. Na volta, paravam num barzinho da moda e comiam um petisco. Todo esse tempo, Alma sonhava acordada...Sonhava com outros pais, que era querida e bonita e que tinha muitos amigos. E, principalmente, que era muito amada. O pai preparava o almoço, enquanto tomava um aperitivo com a mãe e conversavam. Como sempre, a conversa girava em torno dos afazeres da tarde: ida ao shopping ou ao supermercado da mãe com a filha caçula. Alma, quase chorando, pedia para sair junto. Mas o olhar ameaçador do pai e a total indiferença da mãe já prediziam o que iria acontecer... À tarde, na hora da mãe sair, Alma fazia mais tentativas de ir junto...tudo em vão. Quando a porta se fechava, o pai partia imediatamente para o ataque. Alma não tinha para onde fugir, onde se esconder ou para quem contar. Só podia sonhar...As investidas do pai eram cada vez mais fortes e agressivas. Queria a virginidade da filha, seja através das fortes ameaças e chantagens ou através de oferecimento de altas somas de dinheiro. Alma não sabe como não cedeu, mas o pai sempre conseguia se satisfazer, obrigando a filha a práticas mais nojentas. Quando terminava, forçava a Alma a pegar algum dinheiro, como compensação de ter sido tão "obediente". Dinheiro esse que ela nunca usou para si! Depois do ato, o pai fazia de tudo para acalmar e agradar a filha. Quando a mãe chegava com a irmã, o ambiente já estava normalizado. Somente a Alma percebia a mãe mais agressiva e distante. O domingo terminava com a ida à pizzaria. Na volta, Alma se refugiava no quarto para ler, e, mais tarde, quando todos estivessem dormindo, para sonhar acordada. Era esse amor que recebia em sonhos que fazia a Alma caminhar sempre em frente, tentando não pensar na morte e ainda acreditando num futuro melhor...


*O nome Alma, assim como Vida, é fictício. Infelizmente, os fatos são reais.

Momentos...

MOMENTO I

Vida* entrou em casa super feliz. Estava trazendo dois livros da biblioteca e pretendia ainda os ler no final de semana. Como era bom ter 8 anos! Sem preocupações graves, os estudos indo super bem, amigos, passeios, presentes...Claro, nem tudo era perfeito...tinha os seus pontos negros. Mas o futuro ainda estava por vir e as esperanças brotavam a cada dia. Olhou sobre a mesa e viu a sua obrigação diária: papel de desenho caríssimo e giz de cera importados. O pai havia sismado que ela tinha o dom para desenhar e todos os dias Vida precisava fazer um desenho. Sentou-se de má vontade e rabiscou qualquer coisa, fazendo uma pintura bem colorida. Depois, trocou de roupa e deitou-se na cama com um dos livros. Algum tempo depois, o pai chegou...era o dia dele trabalhar à noite na Rádio. A mãe ia chegar mais tarde...Após entrar no quarto da filha e dar uma olhada nada satisfeita no desenho, o pai comunicou que a mãe iria sair com os amigos do trabalho e que iria voltar tarde. Vida não ficou nem um pouco chateada. Já estava acostumada à intensa vida social dos pais e não gostava de babás. Tinha medo sim, mas pretendia ler até a madrugada e assim, o medo diminuía. Foi aí que o pai disse que havia trocado a sua noite de trabalho com uma colega. O coração da Vida congelou...já sabia perfeitamente o que isso significava...Como moravam numa espécie de flat (prédio somente para os estrangeiros), havia um restaurante no térreo, onde a Vida adorava comer. O pai convidou-a para jantar no restaurante e também a ver um filme de Charles Chaplin que iria passar à noite. Apesar das promessas, o coração da Vida estava pesado. Após o jantar e o filme, veio o inevitável: ordem de deitar-se ao seu lado na cama e aceitar as carícias. Vida viajou na imaginação, para não sentir tanto. Logo adormeceu e, de madrugada foi acordada pelo pai, para voltar ao quarto, já que a mãe ia chegar...

* O nome foi trocado, mas a história é totalmente real...