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Nossas Histórias

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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Depoimento do José

Boa tarde, Bya. Acatei suas sugestões de mudar o nome e de não corrigir o texto. Já faz tres anos que sigo os seus blogs e o seu trabalho. Noto a dificuldade que você tem de postar textos masculinos, talvez devido ao grande machismo existente nesse país. Por isso resolvi te escrever e autorizar a publicação do meu depoimento.
Meu nome é José, tenho 52 anos e sou do interior de Minas. Vim de uma família pobre: meu pai era encanador e também fazia vários concertos e minha mãe era dona de casa. Ao todo eramos 11 pessoas, 8 filhos,meus pais e minha avó. Moravamos numa casa pequena. Não lembro de ter levantado da mesa satisfeito, pois a comida era pouca. Também tinhamos poucos brinquedos e nunca comemoramos aniversários.
Quando eu tinha 10 anos, chegou um tio meu, vindo do garimpo para morar em casa. Demos um jeito, pois havia um pequeno galpão no fundo da casa cheio de tralhas. Minha mãe e minha avó deram um jeito de arrumar e meu tio ficou morando lá. Ele era muito sério e nunca sorria. Como não conseguiu um trabalho, fazia concertos na casa e ajudava a minha vó na horta. Também ganhava algum dinheiro com apostas. O tempo se passou e um pouco antes dos meus 12 anos ele ficou doente. Minha avó pediu que eu levasse um copo deleite para ele. Eu levei e ele ficou me observando. Quando acabou de tomar perguntou a minha idade e eu disse que ia fazer 12. Então ele comentou que nunca viu uma festa em casa, mas que gostava muito de mim e queria me dar um presente. Ele pediu segredo por causa dos outros e sorriu para mim. No dia do meu aniversário fui até o galpão e havia um carrinho de brinquedo e um pirulito. Ele disse que eu tinha que brincar lá e disse para eu comer o pirulito. Quando eu ia embora ele disse para voltar no dia seguinte para brincar e chupar mais um pirulito. Eu só não imaginava qual era o pirulito! Todos os dias ele me bolinava,mas nunca chegou a me estuprar. Minha mãe achava estranho a nossa "amizade" e um dia apareceu de surpresa. Foi um escandalo.  Meu tio foi mandado embora e meu pai me deu uma surra daquelas, dizendo que me preferia ver morto do que ter um filho maricas. Como a cidade era pequena, todos ficaram sabendo e eu não podia mais sair na rua e nem ir a escola. Meus irmãos me desprezavam e todos me apontavam. O que eles não queriam acreditar é que meu tio me ameaçava: caso eu contasse, ele matava a minha mãe e a minha avó. Aguentei uns seis meses e depois fugi de casa. Fui para uma outra cidadezinha e fiz de tudo para ganhar dinheiro, menos roubar. O dono do bar onde eu usava o banheiro me chamou para ajuda-lo. Eu dormia no quarto dos fundos, tinha até um colchão e cobertor. Eu trabalhava muito e ele me ajudava com a comida, que era super farta. A esposa dele também gostou de mim já que eles não tinham filhos. Ela me ensinou a ler e escrever melhor e a fazer contas. No Natal eu ia na casa deles e ganhava até presente e roupa nova. Eu tinha contado toda a verdade para eles e o senhor começou a investigar. Conseguiu encontrar a minha família, que não queria mais saber de mim. Ficou sabendo que o meu tio tinha sido morto por molestar um outro menino. Eu já tinha 14 anos e precisava pensar no meu futuro. Ficou combinado que além de roupa, pouso e comida, eu ganharia um dinheiro que ia ser poupado. E assim foi feito até os meus 17 anos, quando os meus padrinhos de coração e de crisma me incentivaram a ir estudar numa cidade grande, fazer um supletivo e quem sabe uma faculdade. Foi tudo arranjado e quando parti, tinha um enxoval novo e muito dinheiro. Pois além do meu ganho, eles completaram com os deles. Essas pessoas maravilhosas já morreram e nunca, NUNCA vou poder esquecer o que fizeram por mim. Prometi amim mesmo ajudar alguém da mesma forma e hoje tenho 2 filhos adotados que sofreram abuso sexual e uma filha que foi vendida pelos pais como prostituta. Fiz o supletivo e a faculdade. Sou Assistente Social. Depois de muito tempo procurei a minha família. Minha mãe havia falecido e fui recebido como herói pelo resto da família, quando souberam que eu havia vencido na vida. Também venci na minha vida particular, pois tinha medo de ter virado gay e só fui ter relações com uma mulher aos 23 anos. Minha mulher até hoje.
Bya, eu só consegui vencer porque me estenderam a mão, acreditaram no meu potencial e não me rejeitaram. Você sempre escreve sobre isso no outro blog: a importância da aceitação e como a omissão e a rejeição prejudicam. Seus blogs viraram meus livros e tenho orgulho em poder ajudar de alguma forma. Muito obrigado pela oportunidade. Abraço, José.