Jornal Diário de São Paulo: A VIOLÊNCIA SEXUAL
Jornal Diário de São Paulo de 24/05/09 - DOMINGO
Inimigo íntimo.
81% da violência sexual contra criança ocorre dentro de casa.
Professora abusada pelo pai, dos 12 aos 29 anos rompe o silêncio.
Beijar é bom. Um abraço apertado acalma. Tem carinho que arrepia de tão gostoso que é.
Sexo às vezes é pura vontade, mas também pode ser amor. Para Flor de Lótus, de 33 anos, não é bem assim. Um simples toque no braço, para ela, pode desencadear uma seqüência de dor e medo. O próprio pai lhe apresentou à força esses avessos. Dos12 aos 29 anos, ela sofreu abusos sexuais freqüentes de quem deveria protegê-la. A violência que começou no corpo de menina ainda dói como ferida aberta na alma de mulher. Flor de Lótus é o codinome usado na internet por uma professora que mora na Zona Oeste da capital. Sua história é a primeira de várias que começam a ser contadas hoje, pelo DIÁRIO, na série de reportagens Infância Interrompida. Graças a um desabafo em uma comunidade sobre abuso sexual no Orkut, os 17 anos de silêncio e tortura psicológica vividos dentro de casa foram rompidos.Outras vítimas anônimas ou com perfis falsos deram a Flor de Lótus a segurança que lhe faltou entre a família.
“O que me dói é me criticarem porque não falei antes.Sempre tive medo que não acreditassem em mim. Vivi todo esse tempo recolhida no meu mundo”, desabafa a professora, que durante os anos de silêncio desenvolveucompulsão alimentar.Com 1,54m de altura, chegou a pesar 120 quilos. A obesidade era uma maneira distorcida de tentar se proteger. E, sobretudo, um pedido de atenção que ninguém conseguiu perceber. Foi preciso coragem para tirar a própria mordaça e as vendas dos olhos dos familiares. “A família perfeita não existia. Meu irmão disse que viu uma vez, mas não falou nada. E minha mãe trabalhava demais”, conta.
A revelação, no entanto, não foi suficiente para afastar o seu agressor. Apenas uma determinação judicial foi capaz de tirálo de casa. Flor de Lótus está processando o pai, um severo inspetor de alunos de 63 anos.
Atitudes como a da professora ainda são uma exceção. Estima-se que apenas um entre cada dez casos é denunciado. “A maioria prefere manter o segredo. Sente culpa e não entende por que não reagiu”, explica a psicóloga Fátima Panangeiro, especialista em traumas e criadora da comunidade do Orkut: “Abuso... o preço do silêncio”.
Outro fator que dificulta a revelação desses crimes é a proximidadecom o agressor. Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Forensese Psicologia Jurídica (Nufor), do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, mostra que 81% dos abusadores são da família.
Os números são resultado de uma análise de 118 casos de abuso sexual acompanhados pelo núcleo entre 2004 a 2008.Nesse levantamento, todos os agressores eram homens, dos quais 37% eram padrastos, 34% pais e 10% outros parentes. Os desconhecidos foram 19%.
“Meu pai nunca me viu como uma filha. Sempre como uma mulher”, diz Lótus, com avoz embargada de mágoa. “Por pura sorte não engravidei. Não estava na minha vida ser mãe de um filho dele”, conta.
Hora de desabrochar
Os abusos sexuais chegaram ao fim. Os efeitos dele, ainda não. Depois da denúncia, a professora tentou se matar três vezes. As lembranças de infância se perderam.
Apenas uma Hello Kitty é a certeza de que um dia ela foi criança. A insônia ainda precisa ser vencida. Sono tranqüilo ela só tem de dia. É a conseqüência das madrugadas em claro rezando baixo para que não acontecesse de novo. Ela não gosta de abraços e só se senta de pernas cruzadas. É para se proteger. “O abuso é passado, mas ainda está 100% no meu presente”,justifica Flor de Lótus, que faz tratamento com antidepressivos,análise e terapia de energização. O desafio agora é transformar as feridas abertas em cicatrizes. “Não tenho como apagar essas marcas, masposso conseguir conviver com elas sem dor”, diz.
A mulher de 33 anos está se dando chance de recuperar a adolescência perdida. E agora redescobre o próprio corpo, após ter emagrecido 50 quilos com uma cirurgia de redução do estômago. Tem até uma pessoa muito especial de quem gosta e quer sedar ao direito das sensações das primeiras vezes.
“Quero beijar, namorar, sair de mãozinha dada, bem adolescente mesmo. Mas tenho que descobrir que sexo é bom. Para mim ainda é uma coisa ruim”, confessa Flor de Lótus.
O maior desejo da professora hoje, no entanto, é fazer jus ao codinome que escolheu. A Flor de Lótus emerge da lama e desabrocha em pétalas brancas imaculadas. É um símbolo da pureza. “Minha vida começou de novo. Agora sim estou em busca da minha felicidade”, explica esperançosa.
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Lôtus, sua história é muito triste, mas você é forte e corajosa. Não ficou calada e continua lutando. Tenho muito orgulho em ser sua amiga. Abraços carinhosos.
ResponderExcluirObrigada,Bya!!!
ResponderExcluirO que precisar pra ajudar nessa nossa luta conte comigo.....
Se cuida,
Bjs
Lotus