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Nossas Histórias

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domingo, 4 de agosto de 2013

O Círculo / Bya Albuquerque

Toda vez que eu recebo um depoimento, seja para postar no blog ou não, somente o leio uma única vez. Até os meus. Aliás, não preciso reler, pois todos têm pontos comuns. Ou seja: é um círculo. Sem começo e sem fim. As nossas histórias são diferentes e iguais. Diferentes no seu desenvolvimento e parecidas no final. A igualdade está na falta de solidariedade, no tabu pré-concebido e na omissão social. Omissão social, mas como?...vocês perguntariam. A resposta é simplesmente que sim. Já repararam nos posts das comunidades? Uns somente postam (repassam) textos de terceiros; outros são altamente sensacionalistas; outros se escondem atrás de posts bonitinhos e de auto ajuda. Pouquíssimos comentários. Quase nenhuma opinião. Zero de discussão. E é logico que eu e a minha comunidade estamos nessa estatística.
Poucos tentam realmente mudar a situação. Mas é praticamente impossível. Dói ver quando uma celebridade sofre um revés e todos sentem pena e todos são solidários. Mas a população não é composta por celebridades. É composta por seres humanos comuns. Seres humanos sedentos por compreensão...justiça...aceitação. A grande maioria sem atendimento médico / psicológico. Com dores físicas e emocionais.
Vou falar um pouco da Comunidade "Filhas do Silêncio". Nós, filhas e filhos do silêncio sofremos o abuso sexual numa época onde até o sexo era tabu, quanto mais a violência sexual, principalmente a intrafamiliar. Sofremos em silêncio e, além de sermos agredidos, também éramos abandonados a própria sorte. Fomos humilhados pelo nosso jeito de ser, o que hoje seria chamado de bullying. Muitos cometeram suicídio, voluntário ou involuntário. Aqueles que conseguiram sobreviver, sofrem de depressão...auto mutilação...baixa estima...várias fobias...problemas com sono...dependência química...transtornos alimentares. É um círculo. O emocional causa danos físicos e os físicos causam problemas emocionais. 
Não posso falar pelos outros. Apenas os represento em certas situações. Mas posso falar por mim. Eu era aluna excelente, pois adorava estudar. Porém na adolescência fui uma aluna totalmente medíocre. Por falta de sono, pelo terror / medo sempre vividos e pelo bullying sofrido (inclusive pela minha própria mãe), perdi o interesse pelos estudos ou melhor, não conseguia mais me concentrar. Abandonei-me totalmente. Me alimentava mal, não conseguia dormir ou descansar e praticava auto mutilação que beirava a auto punição. Mas punição pelo que? Por meu pai sentir tara por mim, por minha mãe me ignorar? Tudo isso foi muito cruel...brutal. Não somente para mim. Continua sendo cruel e brutal para muitos.
Vi o meu potencial rebaixado e deixei isso acontecer. Deixei as pessoas pisarem em mim e fiquei e muitas vezes ainda fico calada. Aos 46 anos,sinto-me velha e inútil. É como se não houvesse mais nada para mim. E sei que não compartilho esses sentimentos sozinha. Muitos de nós, vítimas de violência sexual e psicológica / emocional sentimos-nos enterrados vivos.
Porém quantos sonhos eu tive e quantos sonhos precisei enterrar. Quando era adolescente, como não conseguia dormir, ficava sonhando acordada com uma família ideal. Não aquela que me desse tudo materialmente, mas aquela que me amasse, que desse apoio aos meus sonhos. Depois, veio a fase de querer intensamente um irmão mais velho. Aquele que mesmo que implicasse comigo, ao mesmo tempo me amasse e protegesse. Um irmão para quem eu fosse importante e querida...Hoje em dia, o meu maior sonho é dormir. Sem remédios...sem ansiedade...sem sonhos. Ou então, pelo menos em vez de quando, ter um sonho bom...bonito...reconfortante. Mas esses são meus sonhos pessoais, íntimos e, que, dificilmente ou nunca se realizarão. Não por eu ser pessimista, mas sim por ser realista.
Mas na verdade, o que eu quero é que num futuro próximo esse círculo dos abusados sexualmente se rompa. Trazendo à tona ajuda, solidariedade e aceitação / compreensão. Que jamais novamente um abusado precise provar que foi uma VÍTIMA!!! E não estou sendo sonhadora. Nesse ponto estou sendo esperançosa...pois ainda acredito na humanidade e na sua capacidade de entrega e superação.

Bya Albuquerque, Ribeirão Preto, 05 de agosto de 2013.









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