"Uma noite ele me deu um beijo na boca, perto da mãe, que estava cozinhando. Ela estava de costas. Isso eu sei que ela não viu. Fiquei paralisada, com nojo e com medo". O relato está presente no livro "Lágrimas de Silêncio", lançado pela escritora Ângela Chaves. Aos 49 anos, casada e mãe de cinco filhos, a estudante de sociologia conta a história de horror que viveu dos 7 aos 17 anos, quando foi constantemente abusada pelo pai e pelo irmão mais velho.
A pedofilia é mais comum do que se imagina. A cada dia são 11 novos casos de menores vítimas de crimes sexuais no Rio Grande do Sul. Infância roubada geralmente por alguém muito próximo. Em 90% dos casos de abuso, um familiar, vizinho ou amigo está envolvido. Nos quatro primeiros meses do ano, 1,2 mil crianças e adolescentes foram vítimas no estado, como mostra a reportagem do Bom Dia Rio Grande, da RBS TV (veja o vídeo).
A escritora conta que o pai era violento. Ele a fazia ingerir bebidas alcoólicas até ficar embriagada e a obrigava a ter relações sexuais com ele. "Eu chorava, eu apanhava, eu tentava gritar. Ele me batia muito", relata. Por isso, seu objetivo com o livro é alertar para um perigo real e que pode passar despercebido. "Eu tive que ir aceitando o que a vida ia me dando sem poder escolher. Então eu não quero que outras meninas passem por isso", reforça.
Em meio a esta triste história, a mãe de Ângela se omitiu. Assim, aos 15 anos ela teve uma filha do pai e, aos 17, outra do irmão. Sua única saída foi fugir de casa. Quando conseguiu, não teve amparo e precisou se prostituir. "Eu já me perguntei isso, por que eu não tive força pra reagir. Eu estava presa naquilo ali", desabafa.
Ângela acredita que os estragos causados pelo horror que enfrentou são permanentes. Ela faz tratamento psiquiátrico há oito anos para combater a fragilidade emocional e se reestruturar. "Eu estou reconstruindo minha vida. Já faz tempo que eu venho juntando os cacos", comenta. Depois de escrever o livro, passou a dar palestras para ajudar outras vítimas de abuso sexual.
Psicóloga descreve sinais da pedofilia
Crianças e adolescentes que são vítimas de abusos sexuais geralmente sofrem em silêncio. Para a psicóloga Suzana Braun, é importante que os pais fiquem atentos a sintomas na rotina e no comportamento dos filhos. "Pesadelos à noite, baixo rendimento na escola, não querer ficar sob o cuidado de outras pessoas podem ser sinais", exemplifica.
Os abusadores geralmente sofrem de um transtorno sexual, chamado parafilia, e não param no primeiro ataque. Na maioria das vezes, os casos levam de 6 a 10 anos para serem descobertos.
A psicóloga alerta para os mitos existentes em torno da violência sexual. "Se diz que criança mente, que criança inventa, que criança fantasia", pontua. Suzana defende a necessidade de se criar um olhar de diagnóstico. O primeiro passo seria acreditar nas crianças e então buscar as informações necessárias para responsabilizar ou não o suposto agressor.
Como denunciar o abuso sexual
Hoje, o Rio Grande do Sul conta com 16 delegacias especializadas no atendimento à criança e ao adolescente. As denúncias também podem ser feitas pelo serviço Disque Denúncia Nacional, o Disque 100.
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