MOMENTO III
Agonia estava no centrão de São Paulo, perdida, desesperada. O papel com endereço na mão. Na verdade, já havia avistado a loja, mas não tinha coragem de entrar. Se sentia só e desamparada...mas sabia que tinha que fazer. Entrou na loja, e sem permeio, pediu a beberagem. Pagou, ouviu a explicação da velha senhora, que devia vender centenas de garrafas por dia, mas, por algum motivo, se simpatizou com a menina pequena, que aos 22 anos, aparentava 16 ou 17. Fez questão, com muita simpatia em explicar tudo. No seu olhar se podia ler: "minha filha, será que é preciso isso"? Agonia agradeceu e saiu da loja. Precisava decidir quando e onde tomar. Sabia que não podia demorar...pois a coisa que mais queria era ser mãe. Sabia que o seu pai, através de um colega, estava procurando uma boa clínica de aborto. E, principalmente, sabia que não podia ter esse filho sozinha. Pegou ônibus até a USP e entrou no prédio das Ciências Sociais. Cumprimentou alguns colegas e recusou de ir almoçar, apesar da fome que sentia. Se trancou no banheiro, sentou no chão e chorou. Após a crise de choro, pegou a beberagem e tomou tudo de uma vez...era amarga e enjoativa, mas não teve problemas em manté-la no estômago. Pegou as coisas e foi dar uma volta pelas alamedas arborizadas, tentando se acalmar. Às duas horas entrou na aula de antropologia, com a professora de quem gostava muito e que também sentia simpatia pela Agonia. Umas três horas começou a sentir fortes cólicas, contrações. De repente se sentiu molhada em baixo...estava desprevenida, pois não imaginava o efeito tão rápido. Cochichou para amiga, que passou um absorvente para ela. Foi ao banheiro; ainda bem que estava de calça jeans escura e uma casaco que tampava a bunda...se não, não saberia o que fazer. Ao voltar para classe, sentiu náuseas e tontura, mas conseguiu caminhar com passo firme até o seu lugar. A professora e a colega perceberam que havia algo errado. A mestra passou um debate em grupo e veio se sentar ao lado da Agonia, que a está hora estava com uma hemorragia tão forte, que a única coisa que desejava era voltar para casa, já que morava em Santos. Estava branca, quase transparente...No desespero, ninguém se lembrou do Hospital Universitário. Enquanto a professora foi providenciar um taxi, Agonia pegou mais dois absorventes com a amiga, que utilizou ao mesmo tempo. Ao entrar no taxi, pediu para ser levada à rodoviária do Jabaquara, onde pegaria um outro taxi que a deixaria em casa. Em mais ou menos dez minutos se sentiu encharcada novamente. O motorista não parava de olhar pelo espelho e depois de algum tempo, implorou para levá-la ao hospital. Dava para perceber a preocupação dele, mas a Agonia preferiu seguir para a rodoviária. Chegando lá, o motorista nem queria cobrar a corrida, mas ela fez questão de pagar. Foi a última coisa que a Agonia lembra. Como pegou o taxi, como desceu a serra e chegou em casa, que desculpa que deu para a empregada e a irmã e, depois, ao pai...ficou perdido no fundo da mente. Demorou dias de cama, perdeu o semestre, mas até hoje a Agonia lembra de que seu filho ou sua filha estaria completando 22 anos nesse ano de 2011. Até hoje vem uma espécie de saudade, de perda que nunca poderá ser revertida. Por causa da ganância e psicopatia de um homem, o pai da Agonia, uma vida foi sacrificada. Uma não, duas, pois até hoje as consequências emocionais prevalecem...
Dessa vez eu queria dizer que Agonia existiu e que o fato não pertencia à realidade...Mas infelizmente não é bem assim. A Agonia está viva e o fato foi real. Infelizmente...