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Nossas Histórias

ESSE BLOG É PARA CONTARMOS AS NOSSAS HISTÓRIAS, MOSTRAR A NOSSA LUTA E A NOSSA VITÓRIA...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

SENTIMENTO DE CULPA / Elisabeth Nonnenmacher

Uma das coisas que mais nos afeta como consequência dos abusos sexuais sofridos na infância é o sentimento de culpa.
Gostaria de compartilhar com vocês sobreviventes as descobertas que fiz em minha busca para a cura e como me livrei deste terrível engano.
Primeiro, pensamos que somos as responsáveis por termos sido abusadas, muitas vezes por que pensamos que SE tivéssemos dito NÃO, isso teria feito alguma diferença.
Mas, temos que ter em mente que a diferença de força física e astúcia, bem como de desenvolvimento da maturidade entre o adulto e uma criança, são parecidas com um coelhinho e um lobo faminto. Que chances tem o coelhinho?
Dizer NÃO, não funciona assim como correr ou se esconder não resolvem. O adulto sempre encontra a criança e sempre controla o que deseja dela, ou desejava de nós.
No meu caso, eu estava sempre em busca da companhia do abusador pois, ele sendo meu pai, me dizia que eu era o maior amor que ele tivera e eu buscava esta certificação todos os dias, mas encontrava abuso sexual diariamente.
Como toda criança, somos motivadas pela esperança de que o adulto nos ame incondicionalmente, e eu não desistia de encontrar isso algum dia, sem que eu precisasse me submeter sexualmente. Assim, passei anos indo em busca do abusador e facilitando os abusos.
Entretanto, em nossa mente tão ingênua, também achávamos que o mundo girava em função de nossa existência e ao notarmos que perdermos o controle de nosso corpo, sentimos que perdemos o controle de nossa existência e esta aí um dos fatores mais fortes do abuso sexual da infância. O descontrole das reações do nosso próprio corpo.
Muitas vítimas se sentem hoje profundamente constrangidas e envergonhadas em admitir que gostavam das sensações das carícias, dos abraços, beijos e dos toques sexuais durante os abusos, mesmo que não entendêssemos o que estava acontecendo na época dos abusos. E é neste ponto que precisamos compreender a diferença entre o sentimento de CULPA e a VERGONHA que carregamos por tanto anos.
No sentimento de culpa, pensamos que eramos a CAUSA dos abusos. E quando tentamos os redimir desta culpa, não encontramos uma forma de fazê-lo pois, nosso corpo respondia aos estímulos do abusador. Mas, compreendi ao longo destes anos que, nosso corpo respondia a tais estímulos, da mesma forma que nossa língua sentia o sabor doce de uma fruta ou de um sorvete.
Mesmo considerando isso, sentíamos que nosso corpo nos TRAIA! E quando não conseguimos corrigir isso, pelo fato de ter acontecido no passado, nos sentimos ENVERGONHADAS de termos GOSTADO de algo que preferíamos não ter gostado pois, era ERRADO…era vergonhoso.
Assim, a VERGONHA é a CULPA de algo que NÃO conseguimos MUDAR. É o sentimento de algo que se torna parte de nós e que não podemos lavar nem cortar fora.
Quantas de nós se sentiram IMUNDAS? Quantas gostariam de ter arrancado a pele, para não SENTIR aquilo que sentimos?
Entretanto, hoje compreendo que o que era errado era o que o ADULTO fazia conosco e não o que sentíamos em nossa INGENUIDADE pois, as respostas do nosso corpo não passavam de REAÇÕES de um corpo SAUDÁVEL em que os estímulos nervosos funcionavam em perfeita harmonia ao responder a tais estímulos sexuais.
O que PIOROU a minha situação no passado, foi a base usada na terapia. Para quem frequentou mais de uma década de terapia como aconteceu comigo, ter que ouvir seguidamente as teorias de Freud serem jogadas na minha cara pelos terapeutas, só aumentaram ainda mais o meu sentimento de culpa e meu sentimento de revolta. Baixaram minha auto estima e me mantiveram DEPRIMIDA durante muitos anos.
Apresar dos terapeutas reconhecerem que o meu pai havia errado ao me abusar sexualmente, ter que ouvir um terapeuta dizer que eu queria ser a “namoradinha do pai” e que eu não tinha como negar que eu havia gostado do que ele fazia comigo e que EU o havia desejado a ponto de que meu corpo respondesse de forma prazerosa, era no mínimo um novo abuso emocional, desta vez no consultório de quem deveria me ajudar a me livrar deste pesadelo.
As teorias de sexualidade Freudianas simplesmente levantaram uma PAREDE na progressão da minha cura.
Minha mente buscava incessantemente por uma saída, como um ratinho de laboratório que corre em círculos dentro de uma gaiola. Minha ansiedade precisava se controlada. Assim como meu silêncio já vinha sendo controlado desde a infância, me colocaram mais uma mordaça.
E, sem conseguir encontrar uma saída, eu havia me livrado de uma escravidão para entrar em outra: As drogas anti-depressivas.
Isso, porque não havia argumentos que eu pudesse vencer, contra a “sabedoria” dos terapeutas que me apontavam como “conivente” com os abusos, para me livrar do sentimento de CULPA.
Cheguei ao ponto de me sentir até CULPADA de gastar tantos anos e dinheiro em tratamentos para tentar ficar revisitando os mesmos pontos, para chegar a um consenso de que eu teria que conviver com esta culpa pelo resto da vida pois, os fatos eram algo que eu NÃO podia MUDAR e que os especialistas me relembravam que eu havia gostado e até facilitado. Assim, como podia eu reclamar algo de errado que meu pai havia feito comigo se MEU CORPO era CÚMPLICE do que ele havia me feito? Eu preferia MORRER do que correr o risco de que alguém viesse a saber da minha VERGONHA!
Por isso, a coisa mais libertadora que me aconteceu foi deixar as terapias convencionais do Brasil e finalmente descobrir esta FARSA que nos aprisiona a estes sentimentos tão destrutivos e que vinham convenientemente sendo perpetuados contra vítimas de abuso sexual na infância como uma estratégia de destruição de nossa saúde e para controle das mentes de milhões de pessoas abusadas no mundo.
As incorretas teorias de Sigmundo Freud foram muito oportunas para as elites mundias da época que apoiaram o seu abrilhantamento profissional para suprimir a existência de um grande número de abusos infrafamiliares e grupos de pedofilia de então. Quando ele quis corrigir seu engano, ele foi abafado e apenas 5 de seus novos exemplares foram vendidos. Apesar disso, as teorias erradas foram as que seguiram por quase um século e até recentemente, propiciando abusos multifamiliares e beneficiando grupos de pedofilia, em detrimento das crianças que se tornavam adultos atormentados pela seu próprio sentimento de culpa.
Por isso gente, CONHECIMENTO é LIBERDADE. Passei anos em busca de respostas de algo que sempre achei que não estava certo e nunca desisti enquanto não encontrei algo que me fizesse sentir LIVRE deste engano, o qual tentaram me fazer carregar pelo resto da vida.
Hoje eu compreendo que a culpa não era minha, que meu corpo respondia porque era apenas saudável, que por ter sido negligenciada e assim abandonada pelos familiares, EU nada poderia ter feito para mudar nada e que por isso também a vergonha não era minha.
Compreendo o que aconteceu, porque e quem se beneficia disso.
Nada disso foi amor, nada disso foi por minha culpa e de nada disso devo me envergonhar nem posso mudar pois não fui eu quem causei nem desejei.
LARGUEI ESTA BAGAGEM!
Estou LIVRE do sentimento de CULPA e da VERGONHA.
E, compartilho as coisas que descobri pois, desejo abreviar o sofrimento de tantas outras pessoas de trilhar os longos anos que sofri.
Talvez vocês e outras sobreviventes consigam fazer o mesmo, se olharem para os fatos que envolveram os abusos, sob ângulos que apresentei acima.
Carinhosamente, de sobrevivente para sobrevivente.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Depoimento do Marcelo Quintela

EU ESTAVA FAZENDO XIXI
...E meu caçulinha bateu à porta do banheiro dias desses: "Papai, um moço disse que você tem que descer até a portaria pra falar com ele AGORA!"
"- Ok, avisa que o papai não pode agora, filhote!"
"- Mas disseram tem que ser AGORA, pai!"
"- Então não vai ser nem agora e nem depois!"

E fiquei ali, no banheiro, tentando entender porque fui tão reativo... Viajei para a época que eu era um pré-adolescente como esse meu filho. Eu era mirradinho, fraquinho, tímido e cheio de tensão! Não era para menos. Passei três anos perseguido por marginais e pedófilos que comiam os garotinhos e as virginzinhas que moravam próximo à Vila Mathias, bairro do Centro antigo de Santos, uma região sombria, cheia de casarões antigos como as que eu vivia com meus avós, mas que eram feitos cortiços subalugadas à dezenas de famílias da imigração nordestina. Os pedófilos mandavam! Davam bola de futebol, roupas bacanas e material escolar para as crianças que assediavam. As mães, quase sempre solteiras e pobres, evitavam perguntar para os filhos de onde vinham aqueles presentes... Fui trabalhar numa tapeçaria, para depois de um tempo descobrir que o lugar era só fachada para ocultar o lugar que as "festinhas" aconteciam: As crianças viam filmes pornôs cheirando cola e fumando maconha, e, então, deitavam umas sobre as outras sob orientação dos adultos. Os mais alucinados eram também "traçados" e os demais se mantinham entre troca-trocas e coca-colas. E eu fugi dali...
Mas um dos caras mandou me buscar à noite. Mandei avisar pra me deixarem em paz. E os meninos me diziam que lá era meu trabalho. E eu alegava que não era mais, e que ali não se trabalhava. Daí veio a cartinha dizendo: "Ou volta ou a gente conta para teu pai que você participa de tudo isso"! Ok, a solução era pedir proteção para meu pai. Mas quando fui contar sem nem saber como começar, ele não quis ouvir: "Marcelo, não me traga problemas". Entrou no seu quarto, deitou e disse para mamãe: "Se meu filho for viado, eu quero que Deus o leve!"
E eu ouvi. Meu pai não confiaria em mim. Desde esse dia sou um cara sozinho! Eu tinha só 12 anos e o medo virou meu mais rotineiro sentimento. Fugi para outra cidade, e o cara estava lá. Eu ia brincar na casa de amigos distantes e na esquina o cara se escondia, nas sombras... Perseguido o tempo todo, vivia sobressaltado! Fui sequestrado voltando da escola, puxado pela mochila. Era um passeio a mais de 180 km/h no cais do Porto. Era só terrorismo. Me mandavam descer em qualquer lugar da cidade e eu nem sabia como voltar para casa! Vinha chorando e orando! Olhava para os adultos com quem cruzava, mas parece que ninguém me via... Parece que eu nem existia... E o diabo ainda fez o "favor" de contar pros caras que eu não podia contar com meu pai! Daí, os meninos batiam a minha porta quase meia-noite: "Vem com a gente ou vamos gritar para acordar teu pai!" Eu gelava! Outras noites meu irmão vinha me avisar: " - Marcelo, tem um moleque aí dizendo que você tem que ir com ele AGORA!"
"- Diz que eu estou dormindo, pelo amor de Deus!" Ele ia e voltava: "Ele disse que se não te levar, ele apanha de uns caras!"
Eu tirava o pijama e me arrastava até a rua da tapeçaria. Lá eu ficava de estátua, inerte, cabeça baixa, exposto aos meus "admiradores". Um calendário na parede trazia uma foto minha. Que vergonha! Mas não me tocavam. Acho que temiam a reação do único menino que ainda tinha família, papai e mamãe, ali na região. Era preciso que eu cedesse, mas eu nunca o fiz. E por isso, paguei caro! A agonia se estendia. Eu vivia entre febres, enxaquecas e orações. Não dormia sempre esperando alguém bater à porta. Um dia veio a própria mãe do cidadão, uma velhinha que mal andava, com elefantíase. Ela me disse que eu precisava ir com ela porque o filho estava quebrando tudo na casa e só sossegaria se me visse! (Meu Deus! Tô perdido!)... Depois de uns dias de sossego inexplicável, eu abri o jornal e li que a policia o prendeu em flagrante enquanto estuprava uma criança de 7 anos. Sim, lá foi ele pra cadeia receber o que sempre deu!
Os anos se passaram... Os outros meninos não sobreviveram... Começaram a lidar com injetáveis pouco antes da AIDS chegar, e quando ela veio, levou todo mundo!
Mas eu estou aqui... Estou em casa...
E tem alguém lá embaixo, na portaria, mandando avisar um homem de 41 anos e mais de 10 vidas em uma só, que eu teria que descer AGORA!
Não!

Já perdoei meu pai e nem lembro do cara, mas não desço!
Não tô traumatizado, mas é verdade que giro o mundo resgatando uns "marcelinhos" abusados por aí, mas isso é a energia do Espírito se valendo da minha dor para proteger tantos pequeninos sozinhos! Sim, talvez eu esteja me salvando cada vez que salvo! Isso francamente não me importa! (Deus usa até doença!). O que importa é que não vou descer pra falar com seja-lá-quem-for que me dê um comando. Se for oficial de justiça ou polícia vai ter que subir... Eu só obedeço a Deus! Ninguém me diz o que fazer, nem para onde ir. Ouço conselhos, não recebo ordens! Sou dono de mim. Virei metal. Só as coisas do Evangelho me amolecem o coração, e eu persigo os que se valem desse Evangelho para abusar da fé de gente inocente, feito "pedofilia espiritual"! Eu bato na porta deles de madrugada: "Tira a pata desse pequenino, seu safado!"
Por fim, nem sei quem estava me chamando...rs
Tô fazendo xixi...